"Tradu\u00E7\u00E3o de Jos\u00E9 Pedro Xavier Pinheiro"@pt . . . "A Divina Com\u00E9dia/Inferno/III"@pt . . . "por Dante Alighieri, tradu\u00E7\u00E3o de Jos\u00E9 Pedro Xavier Pinheiro"@pt . "Inferno — Canto III"@pt . "\u201CMoveu Justi\u00E7a o Autor meu sempiterno, Formado fui por divinal possan\u00E7a, Sabedoria suma e amor supremo. No existir, ser nenhum a mim se avan\u00E7a, N\u00E3o sendo eterno, e eu eternal perduro: Deixai, \u00F3 v\u00F3s que entrais, toda a esperan\u00E7a!\u201D Estas palavras, em letreiro escuro, Eu vi, por cima de uma porta escrito. \u201CSeu sentido\u201D \u2014 disse eu \u2014 \u201CMestre me \u00E9 duro\u201D Tornou Virg\u00EDlio, no lugar perito: \u2014 \u201CAqui deixar conv\u00E9m toda suspeita; Todo ign\u00F3bil sentir seja proscrito. \u201CEis a est\u00E2ncia, que eu disse, \u00E0s dores feita, Onde h\u00E1s de ver atormentada gente, Que da raz\u00E3o \u00E0 perda est\u00E1 sujeita\u201D."@pt . . . . "\u201CMoveu Justi\u00E7a o Autor meu sempiterno, Formado fui por divinal possan\u00E7a, Sabedoria suma e amor supremo. No existir, ser nenhum a mim se avan\u00E7a, N\u00E3o sendo eterno, e eu eternal perduro: Deixai, \u00F3 v\u00F3s que entrais, toda a esperan\u00E7a!\u201D Estas palavras, em letreiro escuro, Eu vi, por cima de uma porta escrito. \u201CSeu sentido\u201D \u2014 disse eu \u2014 \u201CMestre me \u00E9 duro\u201D Tornou Virg\u00EDlio, no lugar perito: \u2014 \u201CAqui deixar conv\u00E9m toda suspeita; Todo ign\u00F3bil sentir seja proscrito. \u201CEis a est\u00E2ncia, que eu disse, \u00E0s dores feita, Onde h\u00E1s de ver atormentada gente, Que da raz\u00E3o \u00E0 perda est\u00E1 sujeita\u201D. Pela m\u00E3o me travando diligente, Com ledo gesto e cora\u00E7\u00E3o me erguia, E aos mist\u00E9rios guiou-me incontin\u00EAnti. Por esse ar sem estrelas irrompia Soar de pranto, de ais, de altos gemidos: Tamb\u00E9m meu pranto, de os ouvir, corria. L\u00EDnguas v\u00E1rias, discursos insofridos, Lamentos, vozes roucas, de ira os brados, Rumor de m\u00E3os, de punhos estorcidos, Nesses ares, pra sempre enevoados, Retumbavam girando e semilhando Areais por tuf\u00E3o atormentados. A mente aquele horror me perturbando, Disse a Virg\u00EDlio: \u2014 \u201C\u00D3 Mestre, que ou\u00E7o agora? \u201CQuem s\u00E3o esses, que a dor est\u00E1 prostrando?\u201D \u2014 \u201CDeste m\u00EDsero modo\u201D \u2014 tornou \u2014 \u201Cchora Quem viveu sem jamais ter merecido Nem louvor, nem censura infamadora. \u201CDe anjos mesquinhos coro \u00E9-lhes unido, Que rebeldes a Deus n\u00E3o se mostraram, Nem fi\u00E9is, por si s\u00F3s havendo sido\u201D. \u201CDesdouro aos c\u00E9us, os c\u00E9us os desterraram; Nem o profundo inferno os recebera, De os ter consigo os maus se gloriaram\u201D. \u2014 \u201CQue dor t\u00E3o viva deles se apodera, Que aos carpidos motivo d\u00E1 t\u00E3o forte?\u201D \u2014 \u201CSerei breve em dizer-to\u201D \u2014 me assevera. \u2014 \u201CN\u00E3o lhes \u00E9 dado nunca esperar morte; \u00C9 t\u00E3o vil seu viver nessa desgra\u00E7a, Que invejam de outros toda e qualquer sorte. \u201CNo mundo o nome seu n\u00E3o deixou tra\u00E7a; A Clem\u00EAncia, a Justi\u00E7a os desdenharam. Mais deles n\u00E3o falemos: olha e passa\u201D. Bandeira ent\u00E3o meus olhos divisaram, Que, a tremular, t\u00E3o r\u00E1pida corria, Que avessa a toda pausa a imaginaram. E ap\u00F3s, t\u00E3o basta multid\u00E3o seguia, Que, destru\u00EDdo houvesse tanta gente A morte, acreditado eu n\u00E3o teria. Alguns j\u00E1 distinguira: eis, de repente, Olhando, a sombra conheci daquele Que a gr\u00E3 ren\u00FAncia fez ignobilmente. Soube logo, o que ao certo me revele, Que era a seita das almas aviltadas, Que os maus odeiam e que Deus repele. Nunca tiveram vida as desgra\u00E7adas; Sempre, nuas estando, as torturavam De vespas e tav\u00F5es as ferroadas. Os rostos seus as l\u00E1grimas regavam, Misturadas de sangue: aos p\u00E9s caindo, A imundos vermes o repasto davam. De um largo rio \u00E0 margem dirigindo A vista, de almas divisei cardume. \u2014 \u201CMestre, declara, aos rogos me anuindo, \u201CQue turba \u00E9 essa\u201D \u2014 eu disse \u2014 \u201Ce qual costume Tanto a passar a torna pressurosa, Se bem discirno ao duvidoso lume?\u201D \u2014 Tornou-me: \u2014 \u201CExplica\u00E7\u00E3o minuciosa Darei, quando tivermos atingido Do Aqueronte a ribeira temerosa\u201D. Ent\u00E3o, baixos os olhos e corrido Fui, de importuno a culpa receando, T\u00E9 o rio, em sil\u00EAncio recolhido. Eis vejo a n\u00F3s em barca se acercando, De c\u00E3s coberto um velho \u2014 \u201C\u00D3 condenados, Ai de v\u00F3s! \u2014 alta grita levantando. \u201CO c\u00E9u nunca vereis, desesperados: Por mim \u00E0 treva eterna, na outra riva, Sereis ao fogo, ao gelo transportados. \u201CE tu que est\u00E1s aqui, \u00F3 alma viva, De entre estes que s\u00E3o mortos, j\u00E1 te ausenta!\u201D Como n\u00E3o lhe obede\u00E7o \u00E0 voz esquiva, \u201CPor outra via ir\u00E1s\u201D \u2014 ele acrescenta \u2014 \u201CAo porto, onde achar\u00E1s f\u00E1cil transporte; L\u00E1 p\u00E1ssaras sem barca menos lenta\u201D. \u2014 \u201CN\u00E3o te agastes, Caronte! Desta sorte Se quer l\u00E1 onde\u201D \u2014 disse-lhe o meu Guia \u2014 \u201CQuem pode ordena. E nada mais te importe\u201D. Sereno, ouvido, o gesto se fazia Da l\u00EDvida lagoa ao nauta idoso, Quem em c\u00EDrculos de fogo olhos volvia. As desnudadas almas doloroso O gesto descorou; dentes rangeram Logo em lhe ouvindo o vozear raivoso. Blasfemaram de Deus e maldisseram A esp\u00E9cie humana, a p\u00E1tria, o tempo, a origem Da origem sua, os pais de quem nasceram. Todas no pranto acerbo, em que se afligem, Se acolhem juntas ao lugar tremendo, Dos maus destinos, que se n\u00E3o corrigem. Caronte, os \u00EDgneos olhos revolvendo, Lhes acenava e a todos recebia: Remo em punho, as tardias vai batendo. Como no outono a rama principia As flores a perder t\u00E9 ser despida, Dando \u00E0 terra o que \u00E0 terra pertencia, Assim de Adam a prole pervertida, Da praia um ap\u00F3s outro se enviavam, Qual ave dos reclamos atra\u00EDda. Sobre as t\u00FArbidas \u00E1guas navegavam; E pojado n\u00E3o tinham no outro lado, Mais turbas j\u00E1 no oposto se apinhavam. \u201CAqui meu filho\u201D \u2014 disse o Mestre amado \u2014 \u201Cconcorrem quantos h\u00E1 colhido a morte, De toda a terra, tendo a Deus irado. \u201CO rio prontos buscam desta sorte, De Deus tanto a justi\u00E7a os punge e excita, Tornando-se o temor anelo forte! \u201CAlma inocente aqui jamais transita, E, se Caronte contra ti se assanha, Patente a causa est\u00E1, que tanto o irrita\u201D. Assim falava; a l\u00FArida campanha Tremeu e foi t\u00E3o forte o movimento, Que do medo o suor ainda me banha. Da terra lacrimosa rompeu vento, Que um clar\u00E3o respirou avermelhado; Tolhido ent\u00E3o de todo o sentimento, Ca\u00ED, qual homem que \u00E9 do sono entrado."@pt .