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  • A Divina Comédia/Paraíso/XIX
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  • E rubi cada qual me parecia, Em que raio de sol, fúlgido ardendo, Os lumes nos meus olhos refrangia. O que eu agora descrever pretendo Voz não contou, nem pena há referido, Nem criou fantasia encarecendo. O bico da Águia vi falar, e o ouvido Eu e meu nas palavras distinguia, Mas nós e nosso estava no sentido. — “Porque fui justo e pio” — assim dizia — “Exaltado me vejo a tanta glória, Que excede a quanto o anelo aspiraria. “De mim deixei na terra tal memória, Que apregoam-na os homens pervertidos, Sem exemplos seguir, que narra a história.” — Os exemplos dos mais não o escarmentam.” —
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obra
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seção
  • Paraíso, Canto XIX
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
abstract
  • E rubi cada qual me parecia, Em que raio de sol, fúlgido ardendo, Os lumes nos meus olhos refrangia. O que eu agora descrever pretendo Voz não contou, nem pena há referido, Nem criou fantasia encarecendo. O bico da Águia vi falar, e o ouvido Eu e meu nas palavras distinguia, Mas nós e nosso estava no sentido. — “Porque fui justo e pio” — assim dizia — “Exaltado me vejo a tanta glória, Que excede a quanto o anelo aspiraria. “De mim deixei na terra tal memória, Que apregoam-na os homens pervertidos, Sem exemplos seguir, que narra a história.” — Como em pira dão lenhos incendidos Um só calor, aqueles mil amores Da imagem stavam num falar contidos. Então lhes disse: “Ó vós, perpétuas flores Do júbilo eternal, que num perfume Sentir fazeis multíplices olores, “Esta fome fartai, que me consome, Há largo tempo, na terrestre vida, Onde alimento nunca achar presume. “Se do céu noutro reino é refletida A divina Justiça em claro espelho, Sei que sem véus no vosso é percebida. “Sabeis que, atento, a ouvir-vos me aparelho; Sabeis também que, nunca saciado, Ardo em desejo que se fez já velho.” — Qual falcão, do capelo desvendado, Que a fronte move, as asas exercita E se apavona ledo e alvoroçado, Tal vi a insígnia, que essa grei bendita, Louvor da graça divinal, formara, Com hinos próprios da mansão que habita. Depois dizia: — “Aquele, que traçara Com seu compasso o mundo e no começo De ocultas, claras cousas o dotara, “Não pôde tanto seu poder impresso No universo deixar, que o Eterno Verbo A criação não teve infindo excesso. “Prova-o bem quem primeiro foi soberbo; Pois, sendo ele perfeita criatura, Não esperando a luz, caiu acerbo. “Todo ente, pois, somenos em natura Conter o Bem sem fim não circunscrito Não pode e em si guarda a mensura. “Nossa vista, de alcance tão finito, Posto seja um dos raios dessa Mente, Que as cousas todas enche no infinito, “Não é, por natureza, tão potente, Que não discirna a sua Causa Eterna, Do que ela é na verdade diferente. “Penetra na justiça sempiterna A vista concedida ao vosso mundo, Bem como o olhar, que pelo mar se interna: “Se junto ao litoral lhe enxerga o fundo, No pélago o não vê: certo é que existe, Mas encoberto está por ser profundo. “Se do Lume não vem, que só persiste Sempre sereno, a luz torna-se em treva, Ou da carne é veneno, ou sombra triste. “Já compreendes que o véu romper se deva, Que a Divina Justiça te escondia, E a tão freqüentes dúvidas te leva. “Junto ao Indo — tua mente assim dizia — Um varão vem á luz: de Cristo o nome Nem por voz, nem por letras conhecia. “Os feitos e desejos são desse home? Bons no quanto julgar à razão cabe; Em pecar ditos e atos não consome. “Quando sem fé e sem batismo acabe, Há justiça em ser ele condenado? Pode ter culpa quem não crê, não sabe? “Mas tu quem és, que, em tribunal sentado, Julgas, de léguas em milhões distante, Se mal vês o que a um palmo é colocado? “Em duvidar, por certo, iria avante Quem assim sutilezas apurara, Sem a luz da Escritura triunfante. “Terrenos vermes! raça estulta, ignara! A primeira Vontade, por si boa, De si, Supremo Bem, se não separa. “Justo é somente o que com ela soa, A si nenhum criado bem a tira, Todo o bem, radiando, ela afeiçoa.” — Como a cegonha, que o seu ninho gira, Os filhotes já tendo apascentado, Enquanto cada qual, farto, a remira, Assim, os olhos quando eu tinha alçado Fez o pássaro santo; e asas movia, Por múltiplas vontades sustentado. Volteando cantou; depois dizia: “As notas não comprendes do meu canto, Como os mortais de Deus sabedoria.” — As flamas quando já do Esp?rito Santo Quedaram nessa imagem, que alcançara Aos Romanos do mundo temor tanto, Prosseguiu: — “Este reino não depara Jamais quem não acompanhou a Cristo Nem antes, nem depois que à Cruz se alçara. “Dizem muitos em grita — Cristo! Cristo! Menos perto, em juízo, do que o infido Lhe hão de ser que jamais conheceu Cristo. “Há de os danar o Etíope descrido, Quando em grei rica e pobre eternamente For o gênero humano repartido. “Dos reis cristãos o que dirão em frente Os Persas, lendo no volume aberto, Onde tanto flagício está patente? “Ali hão de se ver entre os de Alberto Os que serão em breve registados: De Praga o reino tornarão deserto. Se hão de ver sobre o Sena acumulados Os do Rei, que a moeda falsifica, Da fera morto aos dentes afiados. Se há de ver a soberba, atroce, inica Quem me demência o Escocês e o Bretão lança: Nenhum nos seus confins contente fica. “E se há de ver quanto em luxúria avança O Rei de Espanha e o que a Boêmia rege, Que mostra ao seu dever tanta esquivança. “Ninguém ao Coxo de Sião inveje: Com I sua bondade se assinala, Com M o que em contrário ama e protege “Se há de ver que a avareza à ignávia iguala No Rei da ilha, em que morreu Anquise, E donde o fogo, a trovejar, se exala. “Porque do seu valor mal se ajuíze, Em cifra a história sua é resumida, Que muito em pouco espaço localize, “Será patente a vergonhosa vida Do tio e desse irmão, que hão desonrado Dois cetros e a ascendência enobrecida. “O Rei de Portugal será notado E o Rei de Noruega e mais aquele, Que de Veneza os cunhos tem falsado. “Ditosa Hungria! que de si repele O jugo da opressão! Feliz Navarra, Quando em seus montes que defensa vele! “E creiam todos que já d?isto em arra Nicósia e Famagusta se lamentam, Bramindo de uma fera sob a garra: Os exemplos dos mais não o escarmentam.” —
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