PropertyValue
rdfs:label
  • O Chapéu
rdfs:comment
  • Do comércio figura dominante, Praxedes, sócio principal da casa, Tinha uma filha muito interessante. O guarda-livros arrastava-lhe a asa. Começara o romance, o romancete Num dia em que fez anos E os festejou Praxedes co'um banquete, Num belo sítio do Caminho Grande, Sob os frondosos galhos veteranos Compoteiras de doce, encomendado A Calafate e a Papo Rôto; frutas; Vinho em garrafas brutas. Amêndoas, nozes, queijos, o diabo. Que se me meto a descrever aquilo, Tão cedo não acabo! (Contos em Verso)
dcterms:subject
obra
  • O Chapéu
dbkwik:pt.poesia/property/wikiPageUsesTemplate
Autor
  • Artur de Azevedo
abstract
  • Do comércio figura dominante, Praxedes, sócio principal da casa, Tinha uma filha muito interessante. O guarda-livros arrastava-lhe a asa. Começara o romance, o romancete Num dia em que fez anos E os festejou Praxedes co'um banquete, Num belo sítio do Caminho Grande, Sob os frondosos galhos veteranos Que secular mangueira inda hoje expande. A mesa circular, sem cabeceira, Rodeando o grosso tronco da mangueira, Um belíssimo aspecto apresentava: Reluzindo lá estava O leitão infalível, Com o seu sorriso irônico, Expressivo, sardônico. Sabeis de alguma coisa mais terrível Do que o sorriso do leitão assado? E nos olhos, coitado! Lhe havia o cozinheiro colocado Duas rodelas de limão, pilhéria Que sempre faz sorrir a gente séria. Dois soberbos perus de forno; tortas De camarão, e um grande e majestoso Camorim branco, peixe delicioso, Que abre ao glutão do paraíso as portas; Tainhas ouríchocas recheadas, Magníficas pescadas, E um presunto, um colosso, Tendo enroladas a enfeitar-lhe o osso, Tiras estreitas de papel dourado. Compoteiras de doce, encomendado A Calafate e a Papo Rôto; frutas; Vinho em garrafas brutas. Amêndoas, nozes, queijos, o diabo. Que se me meto a descrever aquilo, Tão cedo não acabo! O Ponciano fora convidado: Quis o velho Praxedes distingüi-lo. Fazia gosto vê-lo Convenientemente engravatado, De calças brancas e chapéu de pêlo, E uma sobrecasaca Que estivera fechada um ano inteiro E espalhava em redor um vago cheiro De cânfora e alfavaca. Mal que o viu, Gabriela (Gabriela a menina se chamava) Lançou-lhe uma olhadela Que a mais larga promessa lhe levava... Como que os olhos dele e os olhos dela Apenas esperavam Encontrar-se; uma vez que se encontravam, De modo tal os quatro se entendiam Que, com tanto que ver, nada mais viam! Apesar dos perigos, Por ninguém o namoro foi notado. Pois que o demônio as coisas sempre arranja. Praxedes, ocupado, Fazia sala aos ávidos amigos; A mulher de Praxedes, nas cozinhas, Inspecionava monstruosa canja Onde flutuavam cinco ou seis galinhas E um paio, um senhor paio, E os convivas, olhando de soslaio Para a mesa abundante e os seus tesouros Não tinham atenção para namoros. Quando todos à mesa se assentaram, Ele e ela ficaram Ao lado um do outro... por casualidade, E durante três horas, pois três horas Levou comendo toda aquela gente, Entre as frases mais ternas e sonoras Juraram pertencer-se mutuamente. Quando na mesa havia só destroços, Cascas, espinhas, ossos e caroços, E o café fumegante Circulou, - nesse instante, Eram noivos Ponciano e Gabriela. — Como, perguntou ela, Nos poderemos escrever? Não vejo Que o possamos fazer, e o meu desejo É ter notícias tuas diariamente. Respondeu ele: - Muito facilmente: Quando a casa teu pai volta à noitinha Traz consigo o Diário, por fortuna; Escreverei com letra miudinha, Na última coluna, Alguma coisa que ninguém ler possa Quando não esteja prevenido. - Bravo! Que bela idéia e que ventura a nossa Porém se esse conchavo Serve para me dar notícias tuas, Não te dará, meu bem, notícias minhas. - Mas não esteve com uma nem com duas O namorado, e disse: — Temos um meio. - Qual? Não adivinhas? Teu pai usa chapéu. . - Sim... que tolice! - — Ouve o resto e verás que a idéia é boa; Um pedacinho de papel à-toa Tu meterás por baixo da carneira Do chapéu de teu pai; dessa maneira Me escreverás todos os dias... - úteis. Oh!, precauções inúteis! Durante um ano inteiro O pai ludibriado Serviu de inconsciente mensageiro Aos amores da filha e do empregado. — Até que um dia (tudo é transitório, Até mesmo os chapéus) o negociante Entrou de chapéu novo no escritório. Ponciano ficou febricitante! Como saber qual era o chapeleiro Em cujas mãos ficara o chapéu velho? Muito inquieto, o brejeiro Ao espírito em vão pediu conselho; Dispunha-se, matreiro, A sair pelas ruas, indagando De chapeleiro em chapeleiro, quando O chapeleiro apareceu!... Trazia O papelinho que encontrado havia! Atinara com tudo o impertinente E indignado dizia: — Sou pai de filhas!... venho prontamente Denunciar uma patifaria! O hipócrita queria Mas era, bem se vê, cair em graça A um medalhão da praça. O pai ficou furioso, e, francamente, Não era o caso para menos; houve Ralhos, ataques, maldições, et cetera; Mas, enfim, felizmente Ao céu bondoso aprouve (O rapaz tinha tão bonita letra!) Que não fosse a menina pro convento, E a comédia acabasse em casamento. Ponciano hoje é sócio Do sogro, e faz negócio. Deu-lhe uma filha o céu Que é muito sua amiga E está casa não casa; Mas o ditoso pai não sai de casa (Aquilo é balda antiga) Sem revistar o forro do chapéu. (Contos em Verso)