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  • A Tarde (Gonçalvez Dias)
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  • Ó tarde, oh bela tarde, oh meus amores, Mãe da meditação, meu doce encanto! Os rogos da minha alma enfim ouviste, E grato refrigério vens trazer-lhe No teu remansear prenhe de enlevos! Em quanto de te ver gostam meus olhos, Enquanto sinto a minha voz nos lábios, Enquanto a morte me não rouba à vida, Um hino em teu louvor minha alma exale, Oh tarde, oh bela tarde, oh meus amores!
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obra
  • A Tarde
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Notas
  • Publicado no livro Primeiros Cantos .
Autor
  • Gonçalves Dias
abstract
  • Ó tarde, oh bela tarde, oh meus amores, Mãe da meditação, meu doce encanto! Os rogos da minha alma enfim ouviste, E grato refrigério vens trazer-lhe No teu remansear prenhe de enlevos! Em quanto de te ver gostam meus olhos, Enquanto sinto a minha voz nos lábios, Enquanto a morte me não rouba à vida, Um hino em teu louvor minha alma exale, Oh tarde, oh bela tarde, oh meus amores! I É bela a noite, quando grave estende Sobre a terra dormente o negro manto De brilhantes estrelas recamado; Mas nessa escuridão, nesse silêncio Que ela consigo traz, há um quê de horrível Que espanta e desespera e geme n'alma; Um quê de triste que nos lembra a morte! No romper d'alva há tanto amor, tal vida, Há tantas cores, brilhantismo e pompa, Que fascina, que atrai, que a amar convida; Não pode suportá-la homem que sofre, Órfãos de coração não podem vê-la. Só tu, feliz, só tu, a todos prendes! A mente, o coração, sentidos, olhos, A ledice e a dor, o pranto e o riso, Folgam de te avistar; - são teus, - és deles Homem que sente dor folga contigo, Homem que tem prazer folga de ver-te! Contigo simpatizam, porque és bela, Qu'és mãe de merencórios pensamentos, Entre os céus e a terra êxtasis doce, Entre dor e prazer celeste arroubo. II A brisa que murmura na folhagem, As aves que pipilam docemente, A estrela que desponta, que rutila, Com duvidosa luz ferindo os mares, O sol que vai nas águas sepultar-se Tingindo o azul dos céus de branco e d'oiro; Perfumes, murmurar, vapores, brisa, Estrelas, céus e mar, e sol e terra, Tudo existe contigo, e tu és tudo. III Homem que vivo agro viver de corte, lndiferente olhar derrama a custo Sobre os fulgores teus; - homem do mundo Mal pode o desbotado pensamento Revolver sobre o pó; mas nunca, oh nunca! Há de elevar-se a Deus, e nunca há de ele Na abóbada celeste ir pendurar-se, Como de rósea flor pendente abelha. Homem da natureza, esse contemple De púrpura tingir a luz que morre As nuvens lá no ocaso vacilantes! Há de vida melhor sentir no peito, Sentir doce prazer sorrir-lhe n'alma, E fonte de ternura inesgotável Do fundo coração brotar-lhe em ondas. Hora do pôr do sol? - hora fagueira, Qu'encerras tanto amor, tristeza tanta! Quem há que de te ver não sinta enlevos, Quem há na terra que não sinta as fibras Todas do coração pulsar-lhe amigas, Quando desse teu manto as pardas franjas Soltas, roçando a habitação dos homens? Há i prazer tamanho que embriaga, Há i prazer tão puro, que parece Haver anjos dos céus com seus acordes A mísera existência acalentado! IV Sócia do forasteiro, tu, saudade, Nesta hora os teus espinhos mais pungentes Cravas no coração do que anda errante. Só ele, o peregrino, onde acolher-se, Não tem tugúrio seu, nem pai, nem 'spôsa, Ninguém que o espere com sorrir nos lábios E paz no coração, - ninguém que estranhe, Que anseie aflito de o não ver consigo! Cravas então, saudade, os teus espinhos; E eles, tão pungentes, tão agudos, Varando o coração de um lado a outro, Nem trazem dor, nem desespero incitam; Mas remanso de dor, mas um suave Recordar do passado, - um quê de triste Que ri ao coração, chamando aos olhos Tão espontâneo, tão fagueiro pranto, Que não fora prazer não derramá-lo. E quem - ah tão feliz! -- quem peregrino Sobre a terra não foi? Quem sempre há vista Sereno e brando deslizar-se o fumo Sobre o teto dos seus; e sobre os cumes Que os seus olhos hão visto à luz primeira Crescer branca neblina que se enrola, Como incenso que aos céus a terra envia? Tão feliz! quando a morte envolta em pranto Com gelado suor lh'enerva os membros, Procura inda outra mão co'a mão sem vida, E o extremo cintilar dos olhos baços, De um ente amado procurando os olhos, Sem prazer, mas sem dor, ali se apaga. O exilado! esse não; tão só na vida, Como no passamento ermo e sozinho, Sente dores cruéis, torvos pesares Do leito aflito esvoaçar-lhe em torno, Roçar-lhe o frio, o pálido semblante, E o instante derradeiro amargurar-lhe. Porém, no meu passar da vida à morte, Possa co'a extrema luz destes meus olhos Trocar último adeus com os teus fulgores! Ah! possa o teu alento perfumado, Do que na terra estimo, docemente Minha alma separar, e derramá-la Como um vago perfume aos pés do Eterno.